No atual contexto histórico, em semana de decisões democráticas para nosso país, muito se diz, pouco se ouve, algo se extrai. Não há dúvidas sobre o crescimento exponencial que as universidades federais sofreram neste início de século. Um crescimento não apenas em números, mas em acesso, em equidade, em democratização.
O texto a seguir é um trecho de meu projeto de tese. Um pequeno histórico sobre as universidades contextualiza a experiência brasileira em expansão e interiorização em dois momentos: o do final do século passado, baseado numa privatização por vezes disfarçada; e o do atual século, numa direção mais próxima à social-democracia. A assistência estudantil surge como essencial para a garantia de que a expansão não seja mais um processo com catastróficas consequências elitizantes.
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Manifestação reivindicando políticas de assistência estudantil em uma universidade federal do interior. |
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Apesar da história da universidade ter seus primórdios em parcerias estabelecidas entre clero e nobreza da Idade Média, buscando uma autonomia intelectual em relação aos poderes políticos, sua institucionalização em esferas de poder inevitavelmente ocorreu. Portanto, o pano de fundo de tensões entre uma produção de conhecimento livre e a atenção às demandas apresentadas pelas conjunturas históricas é inevitável, bem como não é possível ignorar o interesse que as universidades despertam como instrumentos ideológicos para as classes dominantes (CASTANHO, 2000).
De tal forma, no Brasil, até o início dos anos 2000, expansão universitária foi sinônimo de privatização, especialmente a partir do Golpe Militar de 1964. As demandas sociais que deveriam determinar o braço de equilíbrio dialético da autonomia intelectual foram prioritariamente ditadas por leis de mercado, em detrimento de um diálogo mais amplo com os segmentos sociais diversos (SILVA, 2001).
A interiorização das universidades brasileiras não fugiu à regra, sendo concretizada a partir de interesses particulares, muitas das vezes financiada por parcerias minimamente suspeitas com o poder público. Dessa forma, o discurso de ampliação do acesso, em verdade, pouco contribuiu, sob tal modelo, para uma verdadeira democratização de oportunidades de se cursar um nível superior para a maioria da população, caracterizada pela baixa renda. É importante sempre frisar, ainda, que especialmente nos anos 1990 foram enfatizadas medidas privatistas atenuadas no sentido de se evitar manifestações sociais, introduzidas não somente nas universidades dos planos de interiorização, mas em grandes instituições públicas consolidadas, traduzidas na defesa da terceirização, na parceria escola-empresa, nos convênios e nos contratos de prestação de serviço (DOURADO, 2001). Este modelo acarretou uma perda clara do elemento de gratuidade, como era observado na cobrança de taxas de matrícula ou de diploma, e ainda hoje persiste na forma de eventos cuja participação estudantil é ditada como obrigatória, especializações, disciplinas isoladas, dentre outras formas de cobranças monetárias. O resultado desse modelo em âmbito nacional foi uma “elitização do acesso à educação superior”, que “passou a ser fortemente questionada e apontada como uma das formas de exclusão social” (WESKA et al., 2012, p.9).
Em 2003 foi estabelecido um novo plano de expansão para as universidades públicas federais brasileiras, executado em três fases: a) Expansão I, entre 2003 e 2007, cuja meta principal foi a interiorização; b) o polêmico Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (Reuni), criado em 2007, objetivando a ampliação do acesso e da permanência, e; c) fase de integração regional e internacional, concomitante aos dois anteriores, criando quatro novas universidades, com o objetivo de aproximar países falantes da língua portuguesa na África e na Ásia. Ressalta-se que a plenitude desse plano foi realizada com orçamento público, sem qualquer estabelecimento, ao menos no âmbito da esfera do Poder Executivo Federal, de parcerias com empresas privadas. Os resultados do plano de expansão, num enfoque quantitativo, foram, entre 2003 e 2010, um salto de 45 para 59 universidades federais (ampliação de 31%) e de 148 para 274 campus/unidades (crescimento de 85%). No caso particular da fase de interiorização, o número de municípios atendidos por universidades públicas federais passou de 148 para 272: um crescimento de 138% (WESKA et al., 2012). A Ufla, em atualização de junho de 2013, passou a somar 23 cursos de graduação presenciais, totalizando 6416 estudantes. A população total circulante diária declarada era de 13 mil pessoas (UFLA, 2013).
Constata-se, portanto, uma realidade completamente nova no seio das universidades federais do interior do país, com a qual há que se repensar profundamente diversos aspectos institucionais. As universidades federais do interior do Brasil historicamente podem ser consideradas polos que arraigam estudantes de uma vasta região geográfica em seu entorno. Essas comunidades, constituídas em maioria por estudantes, hoje têm uma conformação social diferente de 10 anos atrás, com uma participação muito mais representativa de classes sociais mais diversas, especialmente as de menor renda. O caso particular das universidades do interior cria uma demanda ainda maior para uma população que se espera diferenciada das de universidades de grandes centros urbanos. Para uma efetiva permanência dessas novas comunidades nas universidades expandidas pela fase de interiorização, tornam-se ainda mais necessários investimentos em assistência estudantil.
A inserção das classes sociais de menor renda na universidade pública foi objeto de estudo desde o período anterior aos planos de expansão, e foram determinantes para o surgimento, e ainda o são para o amadurecimento, de políticas de assistência estudantil. Há evidências relatadas de dificuldades maiores impostas pela realidade relacionadas a etnia, renda familiar, ocupação profissional de familiares, concomitância do estudo com um emprego, escolaridade do chefe de família e residência em moradias estudantis (FONAPRACE, 2004; MELLO, 2007; SOUSA; SOUSA, 2006; ZAGO, 2006). Esta realidade impulsionou a criação do Pnaes, aprovado pelo Fonaprace (ANDIFES, 2007).
Em 2010, o Decreto nº 7234 regulamentou o Pnaes com a finalidade de “ampliar as condições de permanência dos jovens na educação superior pública federal”, definindo suas ações nas áreas de, entre outras, alimentação e atenção à saúde (BRASIL, 2010). A legislação define que as Ifes devem fixar mecanismos de avaliação do Pnaes, prestando todas as informações quando requeridas pelo Ministério da Educação. Nesse sentido, as Ifes são obrigadas a empreender esforços para um acompanhamento contínuo de seus programas de assistência estudantil, tais como publicados, a título de exemplo, pelas Universidades Federais do Ceará e de Minas Gerais (ANDRIOLA, 2009; VARGAS, 2011). Convém destacar que políticas de assistência estudantil relacionadas à alimentação e nutrição vêm sendo avaliadas positivamente, seja através de restaurante universitário (AN, 2013), pela execução de um programa de educação nutricional (KELLY; MAZZEO; BEAN, 2013; PATRICK et al., 2014) – embora esses sejam eventualmente contestados, principalmente por deficiências em seus processos de avaliação (FARRER et al., 2013) – ou por redistribuição de renda (MARTINS et al., 2013). O programa de assistência estudantil da Ufla oferece moradia, alimentação, bolsas institucionais (320), atendimento psicossocial, atendimento médico, odontológico, laboratorial e nutricional, e atividades de esporte e lazer (PRAEC, [s.d.]; UFLA, 2013).